Podia chover à tua porta

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Nesta cimeira de nuvens, podia chover à tua porta

Inexplicável, o silêncio avança em nós devagar
Suspende lentamente as mãos despidas, de lágrimas
Como por magia, revela um adeus entre fios de luar

E balança, à tua porta, balança à tua porta, balança

Estranho este constante sentimento de perda.
São nuvens sem chuva preenchendo o céu de cinzento
Vêm vazias, mostram-se e frias afastam-se

Como todas as despedidas sem palavras.

Cabem entre os homens oceanos inteiros

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Cabem entre os homens oceanos inteiros de indiferença
Um mar imenso, saturado de sal, que tudo corrói
Onde, em silêncio, as palavras morrem afogadas
[dentro dos corpos.

Quando gélidas são as lágrimas dos homens
Negros serão os tempos do mundo
Negra é a sombra da tormenta que escurece os dias
[que dobra as noites

Ao sabor da solidão, não se alcançam continentes
[nem se alargam horizontes.
Quem irá lançar a semente na terra e cultivar a palavra?

Quem, quebrando o seu espelho de vontades
Salvará os náufragos deste tempo, quem terá essa coragem?

A palavra que muda o mundo nasce dentro dos homens
Cresce por um sorriso, cruza oceanos num olhar e aproxima pessoas.
Todos os homens pertencem à terra e a seu tempo
Todos os homens pertencerão ao pó.

Quando o manto de horas negras cobre a luz

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Quando o manto de horas negras cobre a luz de todos os lugares
Não restam sonhos inocentes, nem sentimentos sinceros
Dentro dos corpos embriagados, vestidos de vício

Sem sentir, vagueiam sem sentido

Rasgando noites imperfeitas cobertas com véus transparentes
Onde atrás de cada porta o mistério toma a forma de sorrisos
As curvas assumem-se suaves, como idílicos paraísos
Na terra das sensações pronta a conquistar

É o princípio da viagem ao fundo do ser

Quantos corpos largados, dias, semanas, meses por amar?
Tantos brilhos transformados na solidão sob o luar
Tantos corpos enganados por promessas ao por do sol
Vencidos, sem encanto, pela força indiferente do destino.

Quando este manto de horas negras revelar o infinito céu estrelado
Cobrindo a vontade de metade do mundo
Mostrará a sua nocturna imensidão, onde cada ponto brilhante é vida
É sonho, por mais ínfimo que seja é luz.

Sim, pode ser diferente.

Temporal poema porque chovem as manhãs

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Temporal poema porque chovem as manhãs.
Ainda perduras no fogo onde forjei o teu corpo
Talhei a jóia que te fez mulher aos meus olhos.

Esperei atrás do tempo, numa madrugada de intenções
Inventando formas suaves de abraçarmos a noite
Imaginando as feições deste sonho avermelhado

Assim, afastei os barcos, embrulhei os lagos
Desenhei de novo a paisagem que trazes no cabelo
E fiquei aqui, sentado, esperando o sol nascer

Mas neste alongar das horas, esqueci o traço
E pálida torna-se a tela onde te pintei desejo
Como aguarela sem cor, como uma boca sem beijo.

Talhei a jóia que te fez mulher aos meus olhos
Temporal poema porque chovem as manhãs
Sobre este fogo que ainda arde.