Esta esculpida vertigem

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Do alto desta altura imprópria, esta esculpida vertigem
Moldam-se os prédios, as ruas, os passeios à cidade
Moldam-se os rios às barragens, a sua liberdade às margens
Moldam-se os homens à verdade.

Molda-se o barro, moldo o eu.

Nesta altura imprópria estou só como convêm ao mundo
E nele, o meu, tudo se molda num desencontro de vontades

Ainda que não me veja só, no alto excessivo desta altura
O mundo, olhando-me com todos os seus olhos, não me vê
Na altura quando só vou-me moldando, rudemente, à realidade.

Cabem no meu corpo todos os rios do mundo

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Cabem no meu corpo todos os rios do mundo
Trago-os nos sulcos da pele, como vida nas mãos
Com os que já morreram e com os que em mim ainda irão nascer

E tocando-lhes, percorro-os com os dedos
Seguindo novos caminhos, novos sentidos
Pois cada ruga da minha pele é água e terra
É corrente e paisagem da vida que vivi

Sinto-lhes o norte, o sul, e sei para onde vou

Assim será até ao dia que morrer, e se entretanto me olharem
Se de mim falarem, não digam que sou velho
Digam antes que sou um coleccionador de rios.

São os meus olhos amor, sombras do teu corpo

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Dei-te uma flor, meu amor, para colocares no cabelo
E porque sabes que te amo, que me encanta o teu perfume
Caminhando lado a lado, em silêncio, não preciso de dizê-lo.

É meu desejo, minha fogueira, meu lume, o teu beijo.

Seja neste passeio ao fim do dia, ou seja em que vida for
São os meus olhos amor, sombras do teu corpo

Até o próximo Inverno chegar.

Em Cantos da Alma

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De olhos fechados percorro todos os cantos da minha alma negra
Há quase um mês que não te vejo, que não te encontro a luz
É muito tempo sem sentir o teu sentir, sem ver pelos teus olhos

E perdido nesta ausência procuro-te nas antigas estradas
Onde caminhamos na senda de novos horizontes
Para fora dos ténues limites do nosso corpo

Guardo nos olhos o que me mostraste com a clareza dos teus
A beleza dos dias, depois, a tranquilidade das noites
E esta sucessão como único milagre da existência do tempo
E como ordem real da natureza e dos homens

Ensinaste-me que há um sonho transversal que não se destrói
A liberdade, é a simplicidade com que se compreende a vida
É a calma com que se aceita a morte
E que essa luz só se encontra e só se conquista de olhos fechados.