Debruçado sobre a janela

Debruçado sobre a janela, atento na natureza
E na simplicidade com que ela se manifesta em todos os momentos
Com a expressão de que existe, sem esforço, em si mesma
E isto é algo que me encanta quando o consigo realizar.

Tenho lugar sentado à janela do sonho
Passageiro oculto em viagem com vista para o tempo
O destino é além do campo e da visão, quando não há destino
Onde todos os pontos são pontos de encontro
Sem lugar específico e em todos os lugares
Sem forma definida e em todas as formas
Onde mentes se tocam num vácuo absoluto e vagaroso
E experimentam a totalidade do universo na universalidade do amor

Sou permeável como uma nuvem e nada absorvo
Nada me condiciona a forma
Apenas vejo e aceito a imagem do mundo que vejo
Como se apresenta, tantas vezes carregado e denso
Então, sem pensar, dispenso tudo o que vi
Sem me demorar em tempestades
Chovo tudo, com ligeireza, para o chão.

A realidade é uma farsa
O mundo gira e passa pela anarquia dos sentidos
E como o sentimos
Aquilo que aparenta ser
É na verdade um pouco menos de tudo
E muito mais de nada
Mas é sempre o mesmo, quer a janela esteja meia aberta
Quer esteja, meia janela fechada.

O plano

Têm-me dito, já muitas vezes
Que ando à deriva, que não sei o que quero fazer da vida
E que ando cá apenas a ver os comboios passar
Isto porque não tenho um plano ou um projecto para concretizar
Em resumo, têm-me dito, com convicção, que falhei
E que falhei com o acerto com que falha gente grande
(Falho comigo por falhar com o futuro)

Acho que só para andar por cá, deslumbrado como um menino
A experimentar o mundo, a ver beleza e novidade em tudo
Sem pensar amanhãs e futuros programados
Já valeu a pena ter nascido, chorado e aberto os olhos
E ter a consciência desta realidade
Vale mais que qualquer projecto de qualquer vida de sucesso

E há coisa melhor do que ver os comboios passar
Vê-los seguir com a vida toda que carregam dentro deles
E saber, sentindo, que tal como os comboios que passam
Também eu passo e levo a vida toda dentro de mim
E sigo leve e sem esforço pelo caminho da vida
Como seguem os comboios pelos carris
Até ao dia em que, por não conseguir continuar, irei parar
E o mundo terá de seguir sozinho
Porque o meu corpo, é só mais uma estação.

Se é estranho isto que digo
É porque a vida, é o que quero dela com o coração.
Ao falhar comigo, dispenso a obrigação de me cumprir
Ao falhar com o futuro, permito-me a não fazer planos
E realizo-me, assim, em cada momento que estou consciente.
Hoje,
Hoje,
É este o plano.