Forma de cair

Não há outra forma de cair
Senão a forma que a vida mostra
Nem outra maneira de viver
Do que aquela que cair ensina
Quem isto entende, tem como endireitar as costas
Seguir e levantar a cabeça
E depois da queda, o momento em que ergue o corpo
É todo ele força, movimento e vida

Não se pode viver curvado
Com uma visão deformada das coisas
Abrir os olhos e acordar, é natural até morrer
Mas acordar não é viver
Nascer é estar vivo, até porque nascer todo o homem nasce
Só que estar vivo não é viver

Viver é movimento somado à vida, à existência
É atrito, sentimento, é uma química que acontece na alma
De alguém que cai e depois se levanta
E sem mágoa, cresce pelas cicatrizes no corpo
Para elevar o patamar do mundo.

Os bons poemas são túmulos de quem os escreve

Ano após ano, década após década, século após século
Mesmo que transformados em fósseis pela eternidade
Serão mais que os ossos que suportam um corpo
Mais que o cajado do pastor de rebanhos
E mais que o pastor
Quando este ainda levava os pensamentos ao campo
E no campo dava-lhes a forma de rebanhos
E alimentava-os de natureza e de tudo o que via.
Mas, quando o pastor morreu
O cajado partiu-se e o rebanho perdeu-se no campo.

Depois do movimento artificial do universo
Da matéria dos corpos, dos prédios, depois da pulsação da cidade
E da respiração do campo
O que foi vida, morte, o que foi apenas pensamento revelado
Agora, é só o cemitério de tudo o que foi

Agora, a eternidade toca-me a ponta dos dedos
E encontro por acaso o rebanho espalhado pelas folhas do livro.


Nota: para Fernando Pessoa (Alberto Caeiro) e para o seu "O Guardador de Rebanhos"