Era tempo de morte e ainda não tinha nascido

?

Tudo era vazio, escuridão e trevas
Porque era tempo de morte e ainda não tinha nascido.

O abrir os olhos foi como despertar os sentidos de um coma profundo
Doeu estar vivo e tive que chorar o mundo todo de uma vez
Com o deslumbramento da mais pura ignorância.

Já passou muito tempo desde que acordei
E todo esse tempo não foi mais que um espreguiçar matinal.

Não cheguei a descobri o fogo nem o amor
Ainda sigo, ao lado da humanidade, pelos trilhos dos dinossauros
E já é tempo de extinção, já é tempo de morte outra vez.

Fomos a letra de um fado

?

Estrada de luz, ideal mais que perfeito. Fomos a letra de um fado.
De mãos atadas, as minhas com as tuas
Deixamos marcas da nossa passagem, um pouco por todo o lado.

Percorremos o infinito do corpo numa única noite
Com um só suspiro, sublimamos a lua como amantes eternos

Depois?

Estranhamos a pressa do sol, porque se fez dia sem anúncio
Lutamos arduamente para entender a ausência
O sentido da vida, nas mãos abertas, nas portas fechadas

No esfumar da ilusão

Desistimos quando o chão nos separou os passos
E as amarras nos libertaram as mãos
E fomos pedras, fomos laços

Na distância que agora nos assiste
Aceitamos a angústia, a imperfeita solidão de um fado inacabado
Aos dedos do guitarrista.

Das estrelas

?

As esferas que moldam o mundo, a vida e os corpos, descansam.
Quando fecho os olhos não vejo nada, mas sei que elas continuam lá
Impondo-se belas, ao nada que as precedeu e ao nada que as sucederá

E como tudo no mundo, fervilham, como tudo no corpo, vida.
Mas de noite, as esferas descansam com os astros. Eu sei.

Quantas gaivotas sobrevoaram os meus pensamentos

?

Agora o mar. não o mar dos petroleiros que passam ao largo
Nem dos barcos de pesca ancorados no cais
Mas o mar, aquele da minha memória.

Quantas gaivotas sobrevoaram os meus pensamentos.

Aquele riso salgado na boca. Aquele mar
A lua e os reflexos prateados nos olhos
Que doiam de tanto olhar.

Quantas ondas morreram na praia desde esse mar
Até aos meus cabelos brancos de hoje.
Quantas gaivotas voltaram aos meus pensamentos.

Agora a vida. Esse mar, a sua imensidão, as suas correntes
Todo ele ficará para sempre, mergulhado no meu esquecimento.