Como poderia competir com as flores dos teus
pretendentes
Com os seus beijos
de veludo
E com os seus
versos açucarados.
Não tenho palavras
doces para te conquistar
Presentes para te
oferecer
Nem dinheiro para
te levar ao restaurante
Onde, durante um
jantar romântico
À luz trémula da
minha voz em chamas
Diria que te amo.
E isto é apenas a
ilusão da tua inocência
Presa a estes
versos que não vais ler
Porque no teu
coração mora uma primavera campestre
Sem estação nos
meus versos rudes e toscos
E os teus olhos não
estão habituados a tanto cinzento
À cor das minhas
construções citadinas
Que parecem
arruamentos complexos
Com bancos de pedra
que nascem voltados para jardins de cimento
Onde raramente te
sentas
Com medo de perder
a fantasia nos olhos.
Mas, se viesses
mais vezes
Irias aprender a
ler a minha paisagem
A simplicidade com
que transforma tudo em natureza
E sentirias essa
simplicidade como amplexo
E que ela existe
dentro de todos os homens
Camuflada por casas
cinzentas
Com antenas de
muitas cores a enfeitar os telhados
Que mais parecem
poemas de amor.
Se percorresses
mais vezes o meu pensamento
Irias aprender a
ler a paisagem
A descobrir os meus
versos toscos e rudes
E quando
levantasses o véu que encobre esta realidade
Encontrarias a
simplicidade de um sentimento:
[Amor]
...Guardo nos olhos o que me mostraste com a clareza dos teus, a beleza dos dias, depois, a tranquilidade das noites e esta sucessão como único milagre da existência do tempo e como ordem real da natureza e dos homens...
Esclarecimento
Se alguém percebe de
alguma coisa, sou eu.
Falo com a mesma
propriedade no pôr-do-sol de Marrocos
Como no pôr-do-sol da
minha aldeia
E sei bem que são
diferentes
Sendo que as diferenças
são todas minhas.
É também assim que me
vejo
Vaga sentença à espera
de uma confirmação qualquer
Consciente que o meu
entendimento sobre o sujeito
É tão vago como a
percepção que tenho do mundo
Ciente que as minhas
dúvidas
São eus diferentes de
mim
Vagamente esclarecidos
sobre tudo aquilo que sou.
Imaginador
E por não te ver, não
me perco a imaginar-te.
Paisagem distante,
pensamento também distante
Que por ser longínquo,
nada é aqui
E nele, nada sou, senão
a névoa que o envolve.
Porto imaginário onde se
apronta um barco cheio de si
Sem tripulantes nem
passageiros
Ilusão da consciência
de ser barco e de existir
De real, nada é e nele
sou nada ao leme
Cansado da viagem que
não fiz
Com saudade da terra de
onde ainda não parti.
Não sou mais que um
projecto prestes a deixar o papel
Com a consciência
futura da obra feita
E esta frase dói-me
como se me arrancassem a pele
Expondo a ruína toda
que está por baixo.
Só a verdade liberta a
dor, mesmo que doa.
Liberto-me dos
conceitos, dos preconceitos
Permito-me não ser a
consciência colada ao nome
À pessoa por quem me
conheço
Ao meu reflexo no
espelho
Para ir além do sonho e
viver
Navega à deriva barco
de pele
Sente a angústia de
perder o vento
E sem porto, ou amarra
de corpo quente
No fim, naufragas, também
em pensamento.
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